Tenho escutado de distintas pessoas e círculos sociais que o mundo ficou chato, não se pode falar mais nada devido a onda do “politicamente correto”. Há reclamações de todos os tipos, desde “agora existe censura em tudo” até “na minha época não era assim”. O saudosismo governa a mente de muitas pessoas como se naquela época talvez o mundo fosse melhor.
Quando criança lembro do chocolate em forma de cigarro, considerado trend para a criançada e orgulho para os pais que compravam. Hoje, apesar de não existir mais a fabricante, se algum pai ou mãe vissem uma criança com um chocolate assim quase teriam um ataque do coração.
A língua portuguesa tem evoluído, basta buscar em um dicionário virtual que novas palavras foram introduzidas, o que é genial, pois reflete a criatividade do brasileiro em transmutar sentimentos e situações em palavras, palavras em inglês foram incluídas e fazem parte do cotidiano brasileiro, um exemplo são as placas de “sales”, e não “liquidação”.
A evolução da língua portuguesa é reflexo da evolução ou involução da sociedade, dependendo do ponto de vista de cada indivíduo. Com esse progresso social, temos novas tecnologias e novos comportamentos que fazem parte do nosso dia a dia e, fatalmente, impactam na nossa forma de se comunicar.
Participo do time que considera que o mundo não ficou chato, afinal, até quando vamos justificar a violência cultural, como expressões racistas, sexistas ou machistas, como algo “normal para aquela época” ou que foi apenas uma piada. Claro que o saudosismo de alguns vai se levantar contra a minha indignação. Afinal, os saudosistas têm orgulho de dizer que trabalhavam 14 ou 16 horas por dia e que isso era vestir a camisa da empresa ou, então, que reclamar de trabalhar longas horas é errado. Sim, na época deles não se falava de assédio moral, nem de burnout, qualidade de vida ou de programas de Compliance. As consequências para muitos saudosistas foi perder a infância de seus filhos, casamentos destruídos, infarte, AVC e podemos incluir uma cirurgia bariátrica com menos de 40 anos.
Todos queremos trabalhar, pagar nossas contas e viver com dignidade, mas isso não significa que não possamos ter mais vida. Produtividade não se mede com a quantidade de horas trabalhadas em frente a um notebook sentado em um escritório, pois o patrão quer enxergar que todos estão trabalhando. Afinal, “o olhar do patrão é que faz a boiada engordar”, expressão horrível que ainda tem sido muito usada.
A juventude atual é folgada, dizem os saudosistas. Somente querem saber da vida fora do trabalho, não vestem a camisa da empresa e de forma chocante fazem perguntas, são questionadores. Como se questionar fosse um pecado mortal, aparentemente para os saudosistas sim.
O choque de gerações sempre aconteceu. Imagino a cara dos meus avós quando minha mãe apareceu com seu primeiro jeans com boca de sino, deve ter sido um pesadelo, uma crise familiar instaurada. O que temos que ter é mais empatia e compreensão. Sim, a evolução vai continuar, e não são os mais fortes que sobrevivem, mas os mais adaptativos. Portanto, continuar a gritar que o antes era melhor ficou chato.
Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.