Com a aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, a pauta sobre as mudanças na cobrança de impostos voltou ao debate público. O texto sofreu alterações como a exclusão de armas do chamado “imposto do pecado” e a ampliação da devolução de tributos pagos por famílias de baixa renda (conhecido como “cashback”) para contas de internet e telefone. Para além das alíquotas e mudanças de impostos, a proposta incide sobre o consumo no Brasil e o debate levanta discussões de responsabilidade social e transparência.
Marcos Gimenez, CEO da Bravo, empresa especializada em soluções tecnológicas nas áreas fiscal e contábil, enfatiza a importância da compreensão do sistema tributário pelos cidadãos. “Cidadania fiscal não se limita a pagar impostos. Trata-se de entender como eles financiam serviços essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, e como suas escolhas de consumo impactam esse ciclo”, explica.
Encaminhada pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, a reforma propõe substituir cinco tributos por três: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de nível federal; Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de nível estadual e municipal; e o Imposto Seletivo, de nível federal. A simplificação se dá como um passo para modernizar o sistema e tornar mais acessível o seu entendimento para o consumidor geral. “A maior parte das pessoas não sabe para onde vão seus impostos ou como são utilizados. Dar transparência ao novo modelo é uma oportunidade para engajar mais cidadãos no processo”, afirma Gimenez.
Longe de esgotar o tema, as alterações propostas ainda dividem opiniões. A decisão de incluir alimentos da cesta básica na lista de isenção e reduzir alíquotas para produções artísticas e culturais nacionais reforçou o compromisso social da proposta. Por outro lado, a exclusão de armas e munições do imposto seletivo gerou críticas de setores que defendem a utilização dos tributos como ferramenta para incentivar comportamentos benéficos à coletividade.
“É natural que diferentes setores se mobilizem para garantir vantagens em suas áreas de atuação, mas é o consumidor comum que deve ser o parâmetro principal das mudanças propostas. Priorizar os interesses econômicos do mercado pode afastar o cidadão comum do debate sobre a reforma”, ressalta Gimenez.
Impactos para o consumidor
A CBS, que incidirá sobre bens e serviços no âmbito federal, deve simplificar e unificar a cobrança de impostos em produtos adquiridos no dia a dia. Isso pode reduzir a sobreposição de taxas em itens como roupas e alimentos processados, permitindo ao consumidor compreender melhor o valor final pago. O IBS, de alçada estadual e municipal, financiará obras locais e serviços essenciais, como transporte público e saneamento básico, enquanto o Imposto Seletivo, aplicado sobre bens considerados não essenciais, busca alinhar a arrecadação com políticas públicas de incentivo ao bem-estar social.
Para exemplificar os efeitos das mudanças, Marcos Gimenez explica: “Um consumidor que compra um pacote de arroz, por exemplo, não percebe hoje que paga impostos embutidos que variam entre os estados e que também incluem tributos federais. Com a reforma, essa complexidade diminui, e ele pode enxergar melhor quanto está pagando de impostos diretamente”. Ele destaca também o impacto no financiamento de obras locais, como a pavimentação de ruas e a melhoria do transporte público, que estarão mais diretamente relacionados ao IBS.
No entanto, o especialista também alerta sobre o possível aumento em produtos específicos, como os eletrônicos. “Mesmo não entrando na categoria de itens sobretaxados, os eletrônicos são um exemplo de produtos que podem sofrer uma alta. O preço para o consumidor vai depender do quanto os fornecedores vão redistribuir o aumento no valor final”. Marcos destaca que esse é um exemplo do porquê é importante que a sociedade tenha conhecimento sobre as mudanças aplicadas na Reforma. “Se sabemos os impactos causados, podemos cobrar dos fornecedores para que o consumidor não seja prejudicado.”
Medidas relacionadas ao lazer e trabalho também terão impacto imediato. Além da redução de alíquota para produções artísticas brasileiras, o texto aprovado também apresentou mudanças na área trabalhista. Dentre elas, destacam-se: a nova categoria de nanoempreendedor, para profissionais que ganham até R$ 40,5 mil anualmente; a isenção de IVA para motoristas de aplicativo e entregadores; e a redução de 30% das alíquotas da prestação de serviços de 18 profissões científicas, literárias e artísticas. “Aqui temos uma oportunidade de aquecer o mercado de trabalho ao oferecer condições melhores de tributação para profissionais autônomos, ao mesmo tempo que incentiva a produção científica e artística. São medidas que resultam diretamente na economia, mas também no dia a dia e na qualidade de vida dos trabalhadores”, ressalta Gimenez.
Para o CEO, o sucesso das mudanças dependerá diretamente da conscientização popular. “A população precisa entender que os tributos não são apenas obrigações, mas instrumentos de cidadania. Oferecer clareza para que entendam como funcionarão os novos impostos, como o IVA dual, podem mudar a percepção negativa que muitos têm em relação à arrecadação”, afirma o especialista.
Desconhecimento sobre o tema
Apesar de a Reforma Tributária já estar aprovada, um grande desconhecimento sobre as mudanças ainda persiste, tanto entre a população quanto entre as próprias empresas. Embora o projeto tenha o potencial de simplificar e tornar mais transparente a destinação dos impostos, um levantamento recente da agência VCRP em parceria com a empresa SoluCX revelou que 74% dos brasileiros desconhecem o funcionamento do sistema tributário nacional.
Mas o desconhecimento não se limita aos cidadãos: muitas empresas ainda não se prepararam para as novas exigências — o que pode trazer obstáculos em termos de adaptação às mudanças e até mesmo riscos de penalidades por não cumprimento das novas regras. Segundo a pesquisa Tax do Amanhã, da Deloitte, apenas 46% das empresas realizaram ou estão realizando estudo prévio sobre os impactos da mudança. “Para que a Reforma obtenha o impacto esperado, é preciso que todas as partes, desde os empresários até a população geral, estejam cientes de como as mudanças irão afetar nosso dia a dia enquanto consumidores e prestadores de serviços”, destaca Gimenez.
O CEO também pontua que no caso de empresas, entender os principais pontos da Reforma é ainda mais importante para readequar serviços, manter as obrigações em dia e evitar prejuízos. “Teremos um grande período de transição até a Reforma estar plenamente em vigor, e o planejamento para atravessar esse período deve ser prioridade para as empresas”, pontua. Segundo Gimenez, que é especialista na área de tecnologia tributária, a terceirização de serviços será o principal caminho para evitar riscos para a adequação das empresas.
Com o projeto aguardando a sanção presidencial, o debate sobre cidadania fiscal deve ganhar ainda mais relevância. “Estamos falando de uma Reforma que está em discussão há mais de 30 anos, e agora temos a oportunidade de educar e engajar a sociedade em um pacto social que beneficie a todos”, conclui Gimenez.
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GIOVANA PIGNATI
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