Em um movimento que vem ganhando força no Brasil, fundos de investimento especializados em crédito estressado (distressed assets) estão comprando dívidas de empresas em dificuldades financeiras. Na prática, esses fundos passam a substituir os credores originais e, muitas vezes, negociam a conversão da dívida em participação societária — tornando-se sócios de companhias endividadas.
Essa estratégia tem transformado o setor de recuperação empresarial e alterado a dinâmica entre empresas em crise e o mercado financeiro.
Segundo especialistas, trata-se de um modelo que pode beneficiar ambas as partes: os credores originais se livram de ativos de alto risco, enquanto os fundos enxergam oportunidades de reestruturação e valorização no médio e longo prazo.
- “O que estamos vendo é uma mudança no perfil do investidor e do credor. Em vez de apenas pressionar pela cobrança, muitos fundos buscam participar da reestruturação, entrando como sócios e assumindo posição ativa na condução da empresa”, explica a advogada Ana Franco Toledo, sócia no escritório Dosso Toledo Advogados, especializado em Direito Empresarial.
Como funciona a conversão da dívida em participação
O processo geralmente começa com a compra da dívida de uma empresa por parte de um fundo de investimento, com desconto sobre o valor original. Em seguida, o fundo negocia com a empresa a possibilidade de converter esse crédito em ações ou quotas societárias.
Essa conversão pode ocorrer de forma consensual ou como parte de um plano de recuperação judicial — quando há previsão legal para esse tipo de reestruturação, desde que aprovada pelos credores e homologada judicialmente.
- “É uma operação juridicamente complexa, que exige análise do contrato social, dos direitos dos sócios, da estrutura do capital e da viabilidade da empresa. Mas, bem conduzida, pode representar um caminho viável de salvamento do negócio e manutenção de empregos”, destaca Ana Franco Toledo.
O que muda para a empresa?
Quando um fundo entra como sócio, a empresa passa a ter um investidor que, além de buscar retorno financeiro, também pode aportar gestão, governança, capital adicional ou redes estratégicas. Ao mesmo tempo, os sócios fundadores precisam lidar com a perda parcial de controle e a presença de um novo agente no processo decisório.
Essa nova configuração pode ser positiva ou desafiadora, dependendo do alinhamento entre as partes.
Tendência de mercado
Nos últimos anos, com o aumento do número de empresas em recuperação judicial e o crescimento do mercado secundário de crédito, esse tipo de operação passou a ganhar destaque. Gestoras especializadas atuam com foco em identificar negócios com bom potencial de recuperação, mas que enfrentam gargalos financeiros temporários.
Além disso, a instabilidade econômica e o alto custo do crédito bancário tradicional abriram espaço para esse modelo alternativo de financiamento e reestruturação empresarial.
“Esse é um fenômeno que exige atenção jurídica desde o início. A venda de crédito, a negociação com os sócios e a formalização da entrada no capital social precisam estar muito bem estruturadas, sob pena de gerar litígios ou nulidades futuras”, alerta Ana Franco Toledo.
Esse modelo, cada vez mais comum no Brasil, já é amplamente utilizado em países como os Estados Unidos — e deve continuar crescendo nos próximos anos, especialmente em setores com alto potencial de reestruturação e valorização pós-crise.