Fernando Valente Pimentel*
O acordo entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia (UE), estabelecido em caráter preliminar em 2019 e considerado histórico, visa à criação de uma das maiores áreas de livre comércio do mundo. No entanto, sua conclusão e implementação enfrentam desafios e obstáculos, que precisam ser superados, pois sua efetivação proporcionaria uma série de benefícios comerciais para ambas as regiões.
Os dois blocos têm economias complementares, o que significa grande oportunidade para o aumento do comércio e dos investimentos mútuos. A redução de tarifas e barreiras não tarifárias impulsionaria o fluxo de bens, serviços e aporte de capital, beneficiando as empresas e os consumidores de ambas as partes e contribuindo para o seu crescimento econômico. Menos taxações e a facilitação do comércio promoveriam o aumento da produção, o surgimento de novas oportunidades de negócios e a criação de empregos. Além disso, o acesso a novos mercados impulsionaria a competitividade das empresas e incentivaria a inovação e o fomento tecnológico.
O acordo também oferece oportunidade de promover a convergência de normas e padrões comerciais. Isso é especialmente relevante nos setores agrícola, industrial e de serviços, nos quais há diferenças regulatórias significativas. Ao estabelecer regras comuns e harmonizadas, facilita-se o comércio e se aumenta a segurança jurídica para os investidores.
A conclusão do acordo teria um impacto além do aspecto econômico, pois fortaleceria as relações entre as duas regiões e posicionaria o Mercosul como ator relevante no cenário internacional. Além disso, enviaria um sinal positivo de apoio ao multilateralismo e ao sistema de comércio global, em um momento em que o protecionismo e as tensões comerciais estão em alta.
Para a efetivação do acordo, sua consistência e longevidade, são importantes fundamentos sólidos e realistas. Ou seja, cabe reconhecer que existem preocupações e obstáculos a serem enfrentados. Um dos principais desafios é garantir a sustentabilidade ambiental e os direitos humanos. Ambas as regiões devem assegurar que as cláusulas considerem a proteção dos biomas, ecossistemas e biodiversidade e o respeito às normas e prerrogativas trabalhistas.
Além disso, é necessário garantir que os benefícios do acordo sejam distribuídos de maneira equitativa, para que os setores mais vulneráveis não sejam prejudicados pela liberalização do comércio. Políticas de inclusão social devem ser implementadas para garantir que todos os segmentos da sociedade sejam beneficiados.
Outro ponto relevante é a necessidade de uma coordenação eficaz entre os países-membros do Mercosul e da União Europeia. É preciso que trabalhem em conjunto para estabelecer mecanismos de implementação e supervisão adequados, bem como para resolver eventuais disputas comerciais. Também é necessário equacionar a resistência de alguns grupos e setores ao acordo. Por isso, os governos envolvidos devem engajar-se em um diálogo aberto e transparente com a sociedade civil, a fim de dissipar preocupações legítimas e construir um consenso.
Entendidos os desafios a serem superados, é importante avaliar o capítulo do acordo referente às regras e princípios que regem as compras e contratações públicas realizadas pelos governos, que representam parcela significativa das atividades econômicas de um país. Por isso, as cláusulas que as regem devem promover a transparência, a igualdade de oportunidades e a concorrência justa entre as nações signatárias e suas empresas.
Neste aspecto, porém, alguns setores temem que as empresas de países mais desenvolvidos possam ter vantagem competitiva em relação às das demais nações, numa competição desigual. Questiona-se, ainda, que, em alguns casos, setores produtivos do Mercosul teriam menor capacidade de atender às demandas governamentais em termos de qualidade e quantidade, o que poderia resultar em maior dependência das importações, prejudicando a indústria e o desenvolvimento local. Também há preocupação de que empresas europeias dominem as compras públicas, o que poderia aumentar a concentração do poder econômico e reduzir a concorrência no mercado interno dos países do Mercosul.
Considerando essas questões, é fundamental que o capítulo de compras governamentais no acordo seja equilibrado e leve em conta as especificidades e necessidades de cada país. É importante estabelecer mecanismos para o fomento econômico e industrial do Mercosul, garantindo, ao mesmo tempo, a igualdade de oportunidades para as empresas europeias. As regras precisam ter critério, clareza e prevenir qualquer favorecimento. Além disso, é essencial que os governos comprometam-se em promover o desenvolvimento e capacitação das empresas do Mercosul, tornando-as mais competitivas e preparadas para participar do mercado relativo ao poder público.
Diante das distintas dificuldades para a implementação do acordo, é decisiva a consciência sobre a imensa dimensão dos ganhos. Por isso, a prevalência do entendimento seria muito benéfica para os dois blocos e um exemplo para o mundo contemporâneo, tão carente de diálogo e boa vontade!
*Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).