Syomara Cristina Szmidziuk
Imagine estar na pele de uma pessoa cadeirante que começa um novo trabalho. A empresa que a contratou respeita a Lei de Cotas para PCDs e preencheu 5% de seus postos de emprego com oportunidades “inclusivas”. Porém, a acessibilidade no local é insuficiente. A rampa da entrada estava obstruída e a maçaneta da porta era tão alta que a nova colaboradora teve dificuldades para alcançá-la da cadeira de rodas. O comportamento dos colegas nos primeiros dias fez com que ela se sentisse solitária e excluída - sem espaço para interações nas conversas, com piadas inadequadas e pouca abertura para que ela participasse de happy hour em grupo.
Essa situação, infelizmente, é mais comum do que se imagina. Apesar de o Brasil ter dado passos legais para garantir os direitos da pessoa com deficiência a uma vida plena, como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), os gargalos ainda são grandes.
Obstáculos à autonomia
Temos uma população com deficiência estimada em 18,9 milhões de pessoas com 2 anos ou mais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Mas o mesmo levantamento mostra que essa camada está menos inserida no mercado de trabalho e nas escolas. Além disso, apresentam uma taxa de analfabetismo maior que a média nacional, e muitos não concluem a educação básica. A legislação garante que crianças com deficiência física ou intelectual tenham acesso à educação com espaços adaptados e apoio de acompanhante profissional que possibilite sua integração, mas isso está longe de acontecer na maioria das escolas no ensino público e privado.
Um possível reflexo dessas barreiras desde a infância é que apenas 26,6% das pessoas com deficiência encontram espaço no mercado de trabalho. A taxa de ocupação para o restante da população é de 60,7%. Isso, é claro, afeta renda e autonomia. Embora muitas soluções de inclusão existam, elas são frequentemente incompletas ou descontinuadas, criando barreiras invisíveis que dificultam a participação plena de muitos em nossa sociedade.
O que é a acessibilidade real?
A acessibilidade real é aquela que de fato atende às necessidades das pessoas com deficiência, considerando todos os aspectos da vida cotidiana. Envolve também o uso de tecnologias assistivas, a sensibilização das pessoas e a participação ativa de quem mais precisa nas decisões sobre como garantir a acessibilidade.
A cidade de Oslo, por exemplo, tem um plano para ser totalmente acessível até 2025, com design universal em todos os novos projetos de construção e transporte. Isso não é apenas uma solução pontual; é uma visão para o futuro, que coloca a acessibilidade real no centro das decisões. No Brasil, existem diversos exemplos de espaços que estão comprometidos com a inclusão verdadeira. O Museu de Arte Moderna de São Paulo é um excelente exemplo. Com audioguias, maquetes sensoriais e acessibilidade comunicacional, ele permite que pessoas com deficiência desfrutem da arte com a mesma liberdade que as demais.
Em Curitiba, o Museu Oscar Niemeyer vai além e oferece réplicas táteis de obras para que pessoas com deficiência visual possam explorá-las, já o Museu Casa Alfredo Andersen tem uma seleção de pinturas com descrição auditiva. Essas iniciativas não são apenas acessibilidade – são um exemplo de respeito e dignidade.
Espaços acessíveis como esses são fundamentais para a autonomia das pessoas com deficiência. Eles não são apenas lugares físicos – são ferramentas que garantem direitos iguais e participação plena na sociedade.
Conscientização contra a superficialidade
Já a acessibilidade superficial é aquela que parece fácil e simples de implementar, mas não resolve os problemas reais enfrentados pelas pessoas com deficiência. Imagine um elevador que não funciona corretamente ou um site que só tem a fonte ampliada, mas não tem funcionalidades para deficientes visuais. Isso é apenas uma tentativa de criar uma impressão de inclusão sem realmente proporcionar um acesso igualitário.
A conscientização é uma arma contra essa superficialidade, já que amplifica a empatia. Um exemplo recente no Brasil foi a introdução do cordão de identificação das pessoas com deficiências ocultas, a fim de garantir um olhar mais sensível da parte dos outros e permitir que elas tenham rápido acesso aos seus direitos. Esse direito é uma conquista importantíssima, mas a falta de sensibilidade já está gerando situações de abuso. Algumas pessoas sem deficiência começaram a usar o cordão indevidamente, criando um problema ético e prejudicando quem realmente precisa de apoio. Ou seja, a ferramenta existe, mas a conscientização sobre seu uso ainda precisa ser amplamente difundida.
A verdadeira transformação começa quando entendemos que a acessibilidade é um compromisso coletivo. Não basta cumprir leis ou normas mínimas – precisamos criar soluções que atendam de forma genuína à realidade de cada pessoa com deficiência. Tampouco se trata apenas de projetar rampas ou cumprir cotas; é preciso criar soluções que levem em consideração a independência e dignidade das pessoas.
Isso envolve mudanças nas atitudes, nos comportamentos e na forma como a sociedade enxerga as diferenças. A inclusão real começa na conscientização de todos, desde os gestores, educadores, até os colegas de trabalho, familiares e amigos. Como cada um de nós pode ajudar a tornar o mundo mais acessível?
* Syomara Cristina Szmidziuk - atua há mais de 30 anos como terapeuta ocupacional e tem experiência no tratamento em reabilitação dos membros superiores em pacientes com lesões neuromotoras. Faz atendimentos com terapia infantil e juvenil, adultos e terceira idade. Desenvolve trabalhos com os métodos Bobath, Baby Course Reabilitação Neurocognitiva Perfetti, Reabilitação de Membro Superior- Terapia da Mão, Terapia Contenção Induzida (TCI) e Imagética Motora entre outros.