Crise hídrica, dias cada vez mais quentes, temporais arrasadores com vendavais e alagamentos, seca drástica, são alguns dos efeitos que temos com o aquecimento global. Metrópoles como a cidade de São Paulo além da Região Metropolitana concentram muitos destes eventos climáticos por causa do crescimento desordenado, desmatamento desenfreado, pouco plantio de árvores, adensamento populacional e o crescimento da frota de veículos a cada ano. Não é à toa que a construção de parques, a descentralização dos empregos e o transporte coletivo têm sido apontados em todo o mundo como soluções para reduzir o ritmo de degradação do planeta.
Mas, na contramão destas soluções, ainda acompanhamos no Brasil projetos de alargamentos ou construção de rodovias paralelas como a solução para o trânsito caótico que se forma nos horários de pico em direção ao centro de grandes cidades. Um destes projetos foi concedido à iniciativa privada para construir um segundo Rodoanel no oeste da Grande São Paulo.
Para entender melhor os impactos do projeto que propõe um trecho paralelo ao Rodoanel - entre as rodovias Castelo Branco, Raposo Tavares e Régis Bittencourt – foi realizada na última segunda-feira, a 1ª Audiência Popular na Câmara Municipal de Embu das Artes. Totalmente apartidária, a audiência reuniu mais de 100 pessoas, entre especialistas e moradores, e expôs o traçado da nova rodovia de quatro pistas e 22 quilômetros de extensão, que pretende interligar os municípios de Barueri, Itapevi, Cotia, Embu das Artes e Itapecerica.
Projeto é de um segundo Rodoanel, com maiores falhas
A nova rodovia seria paralela ao Rodoanel, com duas pistas para cada sentido, na intenção de retirar parte dos caminhões que circulam pelo trecho oeste, o mais movimentado do anel viário. Mas especialistas e moradores estão preocupados com os impactos que ela poderá causar aos municípios. O projeto prevê, por exemplo, um caminho de cerca de 3 quilômetros pelo centro da cidade de Cotia, município com aproximadamente 275 mil habitantes. A rota passaria em frente a locais como o Pronto Socorro Infantil, Cemitério, Poupa Tempo e Hospital Municipal. Além do aumento do barulho e da poluição do ar, os impactos podem ser ainda maiores, como afirma o Presidente do PROAM, Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, Carlos Bocuhy: “a contínua expansão da metrópole gera mais e mais ilhas de calor, que no futuro serão uma ameaça à saúde pública devido as ondas de calor extremo já previstas devido ao aquecimento global.”
Uma outra questão importante é que, ao contrário do Rodoanel – que foi amplamente discutido com a sociedade civil - o projeto não determina que esta nova rodovia seja de classe zero, ou seja, ela pode ter acessos diretos a propriedades, bairros, ruas locais ou vias de tráfego urbano. Esta característica permite um grande aumento da especulação imobiliária, a destruição de áreas de preservação ambiental e a precarização dos recursos hídricos.
Segundo estimativas o impacto do curso da rodovia somado a ocupação de 3km do entorno, deve gerar o desmatamento de 50km² de mata nativa e destruição de 345 nascentes (capacidade de abastecer cerca de 50.000 pessoas).
O biólogo William Mendes, que há mais de 10 anos estuda a biodiversidade da região da APA Embu Verde e da reserva florestal do Morro Grande, afirma que a região abriga 19 espécies de mamíferos, incluindo a onça parda, jaguatirica.
O trecho por onde o projeto prevê passar a nova rodovia, ainda é o berço do rio Embu Mirim, um dos principais contribuintes da Represa Guarapiranga, responsável por abastecer cerca de 4 milhões pessoas da Grande São Paulo alerta César Pegoraro, Mobilizador e Educador da SOS Mata Atlântica.
O projeto deste segundo Rodoanel na região oeste levantou sérias preocupações ainda por já ter sido assinada a concessão a empresa EcoRodovias, sem que seja feito um estudo de impacto ambiental aprofundado e com ausência de participação popular no processo de tomada de decisão.
Efeito Espinha de Peixe e Destruição da APA
Estudos do INPE e do IPEA demonstram que a abertura de rodovias em áreas de preservação resulta em ocupações progressivas ao longo do tempo, é o chamado efeito ‘espinha de peixe’ — a partir da rodovia, são criadas outras vias transversais, muitas vezes de forma desordenada, gerando uma grande ocupação e até mesmo áreas de invasão. Nos primeiros 2 anos após a implantação, a ocupação tende a ocorrer num raio de 1 a 2 km, com surgimento de vias, loteamentos irregulares e galpões logísticos. Entre o 2º e o 5º ano, a expansão atinge de 3 a 5 km, com formação de travessas maiores e crescimento espontâneo de bairros. Já no período de 5 a 10 anos, observa-se o adensamento e consolidação da ocupação até 10 km do eixo viário, muitas vezes com a ocupação total do entorno, marcando a transformação definitiva da paisagem original.
Segundo Ricardo Sim, presidente da SEAE – Sociedade Ecológica Amigos de Embu, isso representaria a completa destruição da APA Embu Verde e da reserva florestal do Morro Grande. Ele destaca: “Vimos no estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil realizado pelo IBGE / IPEA /Unicamp como isso já aconteceu em outras cidades e se a obra for realizada, vai se concretizar aqui também.”
William Mendes acrescenta que medidas compensatórias não são suficientes quando a destruição toma grandes proporções. “não adianta prever a construção de passagens de fauna depois do projeto pronto, como medida compensatória, o correto é entender, desde o início do planejamento, se os impactos à fauna já não seriam tão severos ao ponto de se mostrarem proibitivos para o licenciamento da obra”. Para ele, este segundo Rodoanel destruiria corredores ecológicos protegidos por lei e que conectam os fragmentos florestais, para evitar o isolamento genético das populações animais e manter o equilíbrio ecológico da região.
Contestação da Legalidade e Fatiamento da Obra
A SEAE acionou o setor jurídico para verificar a legalidade do projeto: "Nosso advogado já atestou que realizar a concessão à iniciativa privada para a construção de uma estrada sem a prévia realização dos estudos de impacto ambiental e das audiências públicas previstas em lei é ilegal porque fere diretamente os princípios estabelecidos na Constituição Federal (art. 225) e na Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), que determinam que qualquer obra potencialmente causadora de degradação ambiental deve ser precedida de avaliação de impacto e ampla participação da sociedade. Deixar esses estudos sob responsabilidade exclusiva da empresa interessada na obra compromete a isenção, a profundidade e a legitimidade do processo, pois a concessionária possui interesse direto na viabilidade do projeto, o que pode levar à minimização de impactos e à exclusão de vozes críticas. Além disso, ignora o direito da população de ser informada e de participar das decisões que afetam seu território, tornando o processo não apenas juridicamente frágil, mas democraticamente falho.", diz Ricardo Sim.
Adriana Abelhão, Vice-Presidente da Preservar Ambiental, também alerta sobre o início de obras para a criação de novas alças de acesso ao Rodoanel em Itapecerica da Serra, destruindo rios, riachos e nascentes com tratores. A intervenção, segundo ela, seria uma forma de estender ainda mais este segundo Rodoanel, passando por dentro da cidade e fatiando o licenciamento da obra em duas iniciativas separadas para diminuir as compensações: “a criação dessas novas alças em uma rodovia classe zero é ilegal frente a normativa no Brasil (DNIT-IPR 709/2018), que tem restrições rigorosas quanto à sua interação com o viário local”.
Alternativas à Rodovia
Os remanescentes de Mata Atlântica nos municípios da Região Metropolitana que circundam a cidade de São Paulo são responsáveis por baixar a temperatura, aumentar a umidade e a circulação de ventos, dispersando os poluentes. Marcos Ummus é geógrafo e explica que está na hora de pensarmos e tomarmos decisões que realmente farão diferença para as futuras gerações. “eu colocaria aspas dele aqui falando que já foi provado que aumentar pistas só faz com que mais veículos circulem nas rodovias e não resolve o problema dos congestionamentos.”
Os números só reafirmam a análise do geógrafo: 52% da população de Cotia têm renda familiar abaixo de R$3.200,00 por mês. Além do fluxo de trabalhadores que seguem diariamente no sentido da capital, das 17.400 vagas de empregos na indústria de Cotia, 18% são ocupadas por moradores de Carapicuíba, 15% de São Paulo, 15% de Osasco e 12% de Itapevi. Apenas estes dados já trazem um panorama sobre o motivo de haver também fluxo de veículos no sentido interior no período da manhã e final do dia.
Ainda segundo o geógrafo, a melhor alternativa para o trânsito não seria aumentar as vias para São Paulo, mas sim criar empregos e oportunidades nas cidades da região, para que seus moradores não precisem percorrer grandes distâncias diariamente. Ele ressaltou que o modelo rodoviarista, além de gerar impactos ambientais, não resolve o problema da mobilidade urbana: “é preciso investir em soluções mais de transporte de massa como o transporte BRT, VLT ou Metrô para dar conta da atual demanda”.
O que fazer?
Embora o trânsito na região seja um desafio a ser enfrentado, o projeto acaba se tornando mais uma forma antiquada de tratar a mobilidade e o meio-ambiente, sem apresentar melhorias significativas para os congestionamentos de veículos ou para as dificuldades de transporte público enfrentadas pelos moradores.
Em contrapartida, a obra acarreta impactos devastadores à fauna, flora, recursos hídricos e serviços ecossistêmicos de regulação do clima, afetando não apenas os moradores do entorno, mas todos os 20 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo.
Diante disso, os especialistas sugerem que a sociedade civil organizada concentre esforços para garantir que este segundo Rodoanel não seja construído e que todos os processos da concessão sejam cancelados, até que sejam realizados estudos de impactos adequados e audiências públicas em cada um dos municípios afetados pela obra.
A audiência popular contou com a presença do Vereador Uriel Biazin, da Câmara Municipal de Embu das Artes, do Vereador Abidan Henrique, também de Embu das Artes, Ricardo Sim (SEAE), Adriana Abelhão (Preservar Ambiental), Deputado Estadual Carlos Giannazi, Ernesto Maeda (Movimento Nova Raposo Não), Marcos Ummus (Geógrafo), Carlos Bocuhy, Presidente do PROAM - Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, William Mendes (Biólogo) e César Pegoraro, Mobilizador e Educador da SOS Mata Atlântica.
Nosso movimento é apartidário, da sociedade civil, em prol do meio-ambiente, mobilidade e qualidade de vida para os 20 milhões de habitantes da nossa Região Metropolitana.
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SIMONE MARIA BERTELLI MAEJI
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