"Relatos sobre Cacau Show são preocupantes", diz advogada

04/06/2025 21h01 - Atualizado há 1 dia
Relatos sobre Cacau Show são preocupantes, diz advogada
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Nas últimas semanas, vieram à tona relatos preocupantes envolvendo uma das marcas mais reconhecidas do varejo brasileiro: a Cacau Show. Franqueados da rede denunciaram comportamentos internos que classificam como abusivos, afirmando que a empresa funciona como uma “seita”, com perseguições internas e ambiente hostil para quem ousa divergir da condução da marca.

 

O caso chama atenção não apenas pelo nome envolvido — uma empresa nacionalmente consolidada — mas, sobretudo, por levantar uma discussão necessária sobre os limites das relações contratuais dentro do sistema de franquias e o desequilíbrio de poder entre franqueadores e franqueados no Brasil.

 

De acordo com Natália Marques de Oliveira, advogada no escritório Dosso Toledo Advogados,​ o modelo de franquia é, em tese, uma via promissora de empreendedorismo.

 

- "Oferece ao franqueado a chance de operar sob uma marca consolidada, com suporte técnico e operacional​, sem precisar planejar do zero uma nova atividade.​ Por essas características, ​um pressuposto desse modelo é de que haja maior controle e ingerência da franqueadora nas atividades desempenhadas pelo franqueado, que não tem tanta autonomia nas decisões que impactam seu negócio. ​ Os contratos costumam ser de adesão, ou seja, seguem um modelo padrão elaborado pela franqueadora, até para que haja uniformidade entre os franqueados", explicou.

 

​A advogada, cuja dissertação de mestrado defendida na USP - SP é sobre relações contratuais empresariais assimétricas, explica que as tensõesdescritas pelos franqueados podem revelar um abuso de poder contratual por parte da franqueadora.

 

​- "A própria lei reconhece que a franquia é um modelo de contratação que pressupõe que haja uma assimetria de poder entre as partes envolvidas e, por isso, há uma série de exigências que devem ser cumpridas pela franqueadora para que essa posição de poder não seja objeto de abuso. No entanto, mesmo com os cuidados da lei, ainda assim podem ocorrer abusos, como parece ser o caso dos relatos dos franqueados", ressaltou.

 

Ela ​menciona que, ainda que haja uma maior ingerência pela franqueadora nas atividades da franqueada, ainda assim o modelo de franquia pressupõe que o franqueado seja capaz de ter previsibilidade no seu negócio.Isso significa que o franqueador não pode surpreender o franqueado com taxas não discriminadas no contrato ou com método de cálculo pouco transparentes, ou impor a aquisição de estoque de produtos que sabidamente não terão vazão (como, por exemplo, enviar produtos de páscoa às vésperas do domingo de páscoa).

 

​- "Como o franqueado está nessa posição de inferioridade de poder de barganha, porque depende daquele negócio, pode acatar determinadas práticas ou condutas abusivas com receio de piorar ainda mais sua situação. Não é incomum que taxas sejam impostas por meio de aditivos contratuais, por exemplo, que foram assinados apenas para conferir uma falsa impressão de legalidade".

 

A advogada, que é especialista no assunto, ainda reforçou que o caso da Cacau Show é bastante relevante e até mesmo raro.

 

- "Em todos os mercados em que há uma disparidade econômica significativa entre as partes, identificamos que há o "fator receio", que é justamente o receio que tem aquele empresário que se sente lesado de buscar seus direitos ou reclamar da situação que lhe prejudica, porque essa reclamação pode ser objeto de retaliação (como rompimento do negócio ou não renovação do contrato). Portanto, há diversas situações de abuso que ocorrem no dia a dia de empresas, mas que acabam nunca sendo publicizadas ou alvo de disputas judiciais. Esse movimento que estamos observando, de uma união de vários franqueados para denunciar o que entendem como abusivo, inclusive com ajuizamento de ações judiciais, é bem raro de se ver em mercados assimétricos".

 

Ela lembra que é essencial que o Poder Judiciário esteja atento a essas assimetrias e seus possíveis abusos, porque, de acordo com os resultados de sua pesquisa acadêmica sobre o assunto e experiência prática na advocacia, situações de abuso muitas vezes são revestidas de um manto de legalidade justamente para evitar prejuízos ao franqueador em caso de disputa judicial.

 

- "Portanto, é um desafio para os franqueados demonstrarem a situação de abuso, porque o discurso padrão de empresas que abusam dessa posição de poder é justamente no sentido de que sua conduta é legal porque pautada na essência daquele modelo de negócios e que, muitas vezes, o franqueado assinou um contrato que autoriza aquela prática. Diante de todos esses desafios, a denúncia pública é um passo importante porque induz a uma discussão mais profunda dessas relações, impedindo que as soluções dadas sejam superficiais, analisando apenas aquela formalidade que foi feita para maquiar a situação de abuso que pode existir", finalizou.

 


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